Texto de Augusto Nunes
“A memória do ressentido é uma digestão que não termina”, constatou o filosófo alemão Friedrich Nietzsche. E o ressentimento é incurável, informam as entrevistas concedidas sempre a contragosto e com a mão no coldre pelo técnico da Seleção Brasileira. Resumidas por Nietzsche, as oito características do ressentido juramentado compõem o mais nítido retrato 3 x 4 da alma de Dunga:
1. O ressentimento nunca é difuso: dirige-se contra alguém, alguma coisa, alguma entidade.
2. Há um contencioso entre o ressentido e o objeto do ressentimento. O ressentido tem contas a ajustar.
3. Para o ressentido, o desejo de vingança é suficiente. O ressentimento é uma revolta e, simultaneamente, o triunfo dessa revolta.
4. O ressentido invariavelmente acredita que sua infelicidade resulta do erro de outra pessoa, ou de um grupo.
5. ”É tua culpa se ninguém me ama”, raciocina o ressentido. ”É tua culpa se estraguei minha vida, e também é tua culpa se estragaste a tua”.
6. O ressentido atribui todos os erros ao outro. Não consegue aguardar em silêncio o momento do acerto. Explode freqüentemente em amargas recriminações.
7. O ressentido não sabe amar e não quer amar, mas quer ser amado. Mais que amado, quer ser alimentado, acariciado, acalentado, saciado. Não amar o ressentido é prova de maldade.
8. Para poder sentir-se um homem bom, o ressentido precisa acreditar que os outros são maus.
Sobrinho da soberba, primo da ira e irmão da inveja, o ressentimento não deve ser confundido com nenhum dos sete pecados capitais. Exibe singularidades suficientes para tornar-se o oitavo da lista. O ressentido, explica a psicanalista Maria Rita Kehl, “não conseguiu responder em tempo a uma agressão, real ou imaginária, e rumina a vingança que não será perpetrada: ficará estacionada na amargura que envenena a alma”.
Isso impossibilita a felicidade real, “aquela que não está na publicidade nem na auto-ajuda, aquela que não tem receita”, observa a autora do livro Ressentimento. A expressão Era Dunga ─ reduzida, aliás injustamente, a sinônimo de futebol feio, tosco, triste desencadeou a digestão que não termina. Ele não consegue ser feliz sequer em momentos que fariam uma carmelita descalça cair no riso solto.
Capitão da Seleção vitoriosa na Copa de 1994, alternou beijos na taça com palavrões endereçados a quem fizera reparos ao time. Depois das duas vitórias do time na Copa da África, apareceu para a entrevista com o humor de quem acabou de sofrer uma goleada desmoralizante. Técnico talentoso, montou uma equipe que está pronta para materializar pela sexta vez o sonho permanente do País do Futebol. Mas não resiste à tentação da infelicidade.
Se vencer o que lhe parece uma guerra na África, o comandante da tropa triunfante será impiedoso com os derrotados, inclemente com os que discordaram. Em vez de um risonho vencedor entregue à celebração, o Brasil será confrontado com um jovem carrancudo berrando insultos aos que não conseguirão ouvi-los: estarão absorvidos pela festa.
Pior para Dunga. Ele nunca saberá o que perdeu.
Revista Veja - Publicado junho 22, 2010
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